Autor:
Andreas Schmidt Rosso
A IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA CRIMINAL AUTÔNOMA NA REDUÇÃO DA IMPUNIDADE
No Brasil, atualmente, temos um quantitativo de 834 mil pessoas privadas de liberdade, sendo o país com a terceira maior população carcerária do mundo, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
A par dessa estatística demasiadamente assustadora, é importante dizer que cerca de 45% dessa população carcerária é composta por presos provisórios, ou seja, àqueles que aguardam uma condenação criminal definitiva (transitada em julgado).
Não é novidade que a absoluta maioria dos encarcerados é composta por custodiados frutos de prisões em flagrante que são encontrados no varejo da traficância ou até mesmo cometendo crimes patrimoniais diversos, resultando nas chamadas prisões não qualificadas. É dizer, no Brasil se prende muito e se prende muito mal.
O predicado “não qualificado” decorre, sobretudo, da carência de uma investigação policial com arrimo em provas materiais da conduta delitiva. A refutabilidade de uma prisão em flagrante delito é muito grande, ao passo que, por exemplo, uma prova pericial, como um exame de DNA coletado (de um terceiro suspeito) feito a partir de vestígios coletados no local de crime de homicídio, é tido como uma rova fortíssima a amparar uma condenação (ou absolvição).
Numa sociedade cada vez mais complexa, a prisão só se justifica alicerçada em provas materiais produzidas com técnica e cientificidade, por isso é imprescindível o trabalho da pericial oficial de natureza criminal.
Entretanto, é imperiosa a estruturação e autonomia dos órgãos de perícia no Brasil para que tenham as ferramentas necessárias à conversão dos vestígios em provas com a excelência necessária para o enfrentamento de uma criminalidade cada vez mais complexas e ousada.
Sem uma perícia estruturada e autônoma, não há como conceber avanços qualitativos para a investigação criminal. A autonomia da perícia, diz respeito não somente à ausência de interferência no trabalho técnico e científico desenvolvido pelo perito no seu mister, mas, também, numa autonomia gerencial, financeira e orçamentária que garanta aos órgãos de perícia no Estados um poder de se autogerir e buscar melhorias tecnológicas, de pessoal e cientifica.
O perito é esse expert por excelência que, com seus vastos conhecimentos técnicos e científicos, consegue, a partir da coleta de vestígios de uma cena de crime, convola-los em provas robustas que irão fundamentar o parquet e posteriormente o Poder Judiciário em suas decisões e manifestações.
Negligenciar o trabalho pericial é, em última análise, desperdiçar o dinheiro público com abarrotamento de processos criminais que resultarão em absolvidos por falta de provas que poderiam ser obtidas com o auxílio dos órgãos de perícia que, por sua vez, devem ser estruturados a partir de investimentos em tecnologia e capacitação dessa mão de obra tão importante para auxiliar e tornar mais justo o sistema de justiça criminal de nosso país.
É nesta deficiência que a criminalidade ganha fôlego e se retroalimenta – quando não se incrementa – visto que essa população que é, reiteradas vezes, posta à liberdade pela falta de elementos probatórios que justifiquem a sua permanência no sistema prisional, é a mesma que quando de seu reingresso no sistema prisional (reiteração delitiva), faz ascender a “sensação de impunidade”.
Em outros dizeres, sem provas robustas, o caminho da impunidade só se alarga. Por isso se faz fundamental um órgão de perícia pujante, autônomo e estruturado, de modo a robustecer o trabalho desenvolvido pelos atores da persecução penal, em especial o Ministério Público e o Judiciário.
Nesse sentido, o Estado do Espírito Santo avançou muito em 2023 ao se tornar o 20º Estado da Federação a criar a sua Polícia Científica, dando-lhe autonomia financeira, orçamentária e gerencial para melhor contribuir no combate ao crime.
Deste modo, o gestor público contemporâneo deve passar a enxergar o investimento na perícia de natureza criminal como uma política publica contínua de primeira ordem no combate à criminalidade, a fim de torna-la estruturada e cada vez mais pujante, um braço aliado da segurança pública, com vistas à reversão da cultura da impunidade que insiste em se manter de pé em terras brasileiras.
Sobre o autor: Andreas Schmidt Rosso é Perito Oficial Criminal da Polícia Científica do Estado do Espírito Santo – PCIES, Conselheiro do Instituto Carlos Nejar (Paiol da Aurora), ex-advogado, bacharel em Direito e Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito de Vitória.